"Concluiu formatura em cânones António José da Silva por 1726. Seu pai, o eminente jurisconsulto João Mendes da Silva, contava setenta anos feitos, e vergava ao peso da idade e da muita e principal clientela que granjeara com o seu talento jurídico e sua estremada honradez. Chamou, por isso, o filho a coadjuvá-lo para, mais tarde, o ficar substituindo.
Forçando o engulho e repugnância que os autos lhe faziam, o recente bacharel abancou no escritório de seu pai, coagindo o espírito inquieto a prestar atenção às enfadosas exposições consultivas, e às áridas respostas do velho, que era um poço nas Institutas de Justiniano e Decretais.
As três horas que António José sacrificava de cada dia à prática forense eram-lhe remuneradas com a plena liberdade das outras. O uso que ele fazia do seu tempo, conquanto desagradasse ao pai, não lhe era contrariado. Escrevia comédias, vestia de melhor linguagem umas que tinha urdido no mais verde dos anos, e arquitetava outras para refazer mais tarde. Propensão aprazível para estudos tinha uma só: era o teatro, não já modelado pela escola francesa, que então dava ao mundo policiado as regras dramáticas; mas acostado algum tanto à feição cómica de Gil Vicente, com as inverosímeis peripécias de Lopo de Vega e dos filiados à grande e ainda vivedoura escola castelhana. Ponderar e discriminar a índole literária de António José, cognominado «o judeu», seria impertinência nesta narrativa, onde raro leitor antepõe o lucro da instrução ao deleite da curiosidade."