Guy de Maupassant nos deixou cerca de 300 contos. PĂ©rolas como Bola de sebo (1880), alĂ©m de sua aclamada produção de contos fantásticos, a exemplo de O Horla (1887), fizeram com que seu nome figurasse no panteĂŁo dos mestres da narrativa curta. Publicou, no entanto, seis romances, dentre os quais se destaca este Bel-Ami (1885), sobre o qual o autor afirmou a um confidente: "Espero que ele satisfaça aqueles que me cobram algo mais extenso." Maupassant, que recebera forte influĂŞncia de seu mentor Flaubert, nĂŁo apenas alcançou seu intento como tambĂ©m inscreveu seu nome, ao lado de seus pares Zola e TurguĂŞniev, na histĂłria do grande romance realista e naturalista do sĂ©culo XIX. O cenário Ă© a Paris da belle Ă©poque. A Paris das garçon nières, dos encontros sorrateiros e passeios em fiacre pelas noites que terminavam nos salões efervescentes da metrĂłpole francesa Ă Ă©poca do colonialismo. Uma cidade de oportunidades onde o jovem Georges Duroy, recĂ©m-chegado da campanha dos hussardos na ArgĂ©lia, buscará seu lugar ao sol. Por intermĂ©dio de seu ex-companheiro de exĂ©rcito, Forestier, ele ingressará no jornal La Vie Française, mesmo sem qualquer experiĂŞncia com a escrita, e ali lançará mĂŁo de sua beleza e de seu irresistĂvel charme junto Ă s mulheres para galgar, degrau a degrau, a escada do poder. O autor conduz seu charmoso personagem por uma trilha de blefes, chantagens, encontros amorosos furtivos. Enquanto Duroy vai desvendando, com a ajuda de suas amantes, os arcanos do jornalismo e as ligações que seu novo ofĂcio estabelecia com as altas esferas de poder — nĂŁo encontraria sua esposa nos braços de um ministro? —, o leitor assiste Ă pintura impiedosa de uma outra Paris, oculta sob o glamour dos salões, onde o tráfico de influĂŞncias impera e coaduna imprensa, polĂtica e poder financeiro. Maupassant, que era influenciado tambĂ©m por Schopenhauer, deixa transparecer no romance todo o pessimismo que foi tendĂŞncia na literatura da Ă©poca, sobretudo na naturalista, e nĂŁo aponta redenção para seu (anti) herĂłi. NĂŁo há castigo divino, nĂŁo há a mĂŁo pesada da moral a conter o personagem ou a convertĂŞ-lo em exemplo edificante. Charles Duroy Ă© a encarnação do erotismo, um erotismo de bigode, de olhos azuis, que enleia sobretudo as mulheres e nĂŁo conhece escrĂşpulos. Um arrivista? Um dândi inconsequente? Para François Mauriac, na essĂŞncia Duroy Ă© um homem de uma "ignĂłbil ingenuidade". Talvez uma mescla de tudo isso, nosso protagonista trafega com desenvoltura, seja nas Folies Bergère, seja nos Champs-ElysĂ©es, mais prĂłximos do que se poderia supor.